sábado, 26 de maio de 2012

Sábado - dia 02/06

Sábado dia 02/06
Sala Redenção
15:30

A última esperança da Terra
(The omega man)
de Boris Sagal



Conheça os Palestrantes


Fatimarlei Lunardeli



Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1983), mestre em Artes pela Universidade de São Paulo (1995) e doutora em Ciências da Comunicação, também pela Universidade de São Paulo (2002). Professora na Universidade do Vale do Rio dos Sinos junto aos cursos de Realização Audioviosual e Especialização em Cinema. Atua como jornalista na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Cinema, principalmente nas áreas de história e teoria do cinema, crítica de cinema, linguagem cinematográfica, cultura cinematográfica e cinema brasileiro. Publicou mais de 11 livros e 14 artigos em periódicos especializados.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/0494670258844111







Carla Brandalise é professora de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais-UFRGS Tem experiência na área de História Política, com ênfase em política contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: Nações e Nacionalismos; Regimes políticos autoritários; História da extrema-direita européia do pós- Segunda Guerra Mundial; Fluxos migratórias contemporâneas; Relações Internacionais; e História do Tempo Presente.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/3380240439932303

As três visões de Matheson

 

Carlos Thomaz Albornoz[1]

 

Eu sou a Lenda, de Richard Matheson, foi uma raridade, desde o seu lançamento, em 1954. Um clássico instantâneo, adorado pelo público e pela crítica (pelo menos os críticos de ficção científica). Uma bem sucedida mistura de gêneros, horror e ficção, que não trai nenhum deles. Um livro que mesmo seguindo várias tendências dos anos 1950 (texto apocalíptico, referências veladas à guerra fria) não ficou datado. Praticamente desde a sua publicação ficou claro que poderia dar origem a um grande filme. Tinha até o tamanho ‘ideal’, de novela, nem precisaria cortar muita coisa para tal (Matheson ser roteirista de cinema pode ter algo a ver com isso). Mas três, bem diferentes um do outro?

Em 1964 o empregador de Matheson, Roger Corman, comprou os direitos do livro para rodar na unidade europeia de sua produtora, a AIP. O filme foi rodado na Itália, sob a batuta do britânico Sidney Salkow (e não de Ubaldo Ragona, citado nos créditos apenas para a produtora receber incentivos fiscais), com a estrela da companhia, Vincent Price, no papel principal. Das adaptações citadas neste texto é a mais fiel: mantém os mortos vivos como vampiros conscientes de seu passado humano, o personagem central como um ser atormentado e trágico, e ‘segura’ inclusive o final pessimista. A principal adaptação que faz diz respeito à cidade onde se passa a história: o livro descreve Nova York, no filme se trata de uma vila anônima, já que a produtora não tinha dinheiro para ambientar tudo em Big Apple. Há mudanças menores, também (o nome e profissão do personagem, a forma com que se dá o final), nada que desvirtue a adaptação, mas o suficiente para irritar o autor, que assinou o roteiro sob pseudônimo.




O cinema de ficção científica ganhou um insuspeito aliado quando Charlton Heston, que ganhou fama representando nada menos que Moisés e Ben Hur e era o ator mais poderoso de sua época, revelou-se fã do gênero. Ele lutou anos para tirar do papel uma adaptação de O Planeta dos Macacos, que foi um sucesso retumbante e o permitiu fazer, quase literalmente, o que quisesse. E ele quis filmar seu livro favorito, que era... Eu sou a Lenda.

O fato da obra ter sido filmada meros 10 anos antes não assustou Heston, afinal era só fazer umas ‘pequenas adaptações’ e não haveria problema. Assim nascia A Última Esperança da Terra, dirigido por Boris Sagal em 1974. O que era um conto trágico virou um filme de ação, e os vampiros do livro (e do primeiro filme) viraram mutantes nucleares. O que era uma praga espalhada por bactérias (tanto na literatura quanto no filme da AIP) virou uma arma biológica que deu errado (sugestão da roteirista, Joyce Corrington, formada em química). E, claro, o personagem trágico de Price não combinava com a personalidade macho man de Heston, que vira um herói de ação, que sai caçando mutantes pelas ruas vazias de Nova Iorque com sua metralhadora, no melhor estilo vigilante dos anos setenta. A fidelidade literária foi para o espaço, mas pelo menos o filme era divertido (algo que nem sempre acontece nas adaptações literárias), e grande parte de seus espectadores não conhecia o original.

O sucesso (financeiro) deste filme já o ‘marcou’ para uma refilmagem, pelo menos desde o meio dos anos 80. Arnold Schwarzenegger faria o ator central, e Ridley Scott, depois Paul Verhoeven, assumiriam a direção. O tempo foi passando, vários atores (Tom Cruise, Nicholas Cage, Michael Douglas e Mel Gibson chegaram a estar ligados ao projeto em algum momento), diretores e roteiristas iam tentando adaptar a obra, com mais ou menos sucesso, e o projeto não saía do lugar. O problema era sempre o mesmo: orçamento. O filme de Schwarzenegger foi orçado, no início dos anos 90, em 250 milhões de dólares, um custo irreal para a época, e só não foi feito por Batman e Robin ter sido um relativo fracasso de bilheteria, assim como Esfera e O Carteiro, convencendo os produtores que não era hora de investir num épico de ficção científica.  O livro Tales from the Development Hell, de David Hughes, conta as diferentes fases do projeto.

Tudo começou a andar quando Will Smith se envolveu. Um projeto seu (Hancock) atrasou, ele foi ver em qual projeto em andamento ele podia se encaixar e escolheu ‘Lenda’. Em uma medida rara, dois roteiros escritos de forma independente, por Mark Protosevich e Akiva Goldsman, foram combinados por eles para a filmagem. A direção chegou a ser confirmada para nomes tão díspares como Rob Bowman, Michael Bay e Guillermo Del Toro, mas acabou nas mãos de Francis Lawrence, vienense acostumado a trabalhar rápido. Os fãs do livro temeram o que podia acontecer após o projeto passar por tantas mãos. Para surpresa geral há uma relativa fidelidade ao livro na primeira metade... que vai se afastando à medida que a história avança. Os vampiros do livro viram zumbis, o especialista em plantas vira cientista tentando resolver a praga, o final trágico vira heróico... para aumentar nosso desgosto, a personagem de Alice Braga, brasileira na história, é ‘apresentada’ a Bob Marley pelo personagem central... o resultado final até que é satisfatório, ainda mais comparando com os absurdos roteiros que vazaram durante a longa gestação deste projeto (o roteiro que devia ter sido filmado por Schwarzenegger mistura O Exterminador do Futuro com Duro de Matar, e um herói fanático por one liners, no estilo ‘engole essa’...).

Além destas três adaptações ‘oficiais’, há algumas dezenas de filmes e livros influenciados pelo livro de Matheson. O mais notório de todos é A Noite dos Mortos Vivos, clássico filme de George Romero, que assumidamente se serviu de vários elementos do livro para seu roteiro, fato esse admitido por Romero. Para ficar em um filme recente, Eu sou Omega, ‘concorrente’ do filme de Will Smith lançado em vídeo na semana que este chegou aos cinemas, é uma espécie de refilmagem (pouco ou nada disfarçada) de A Última Esperança da Terra, o dos anos setenta, que retorna ao livro de origem várias vezes. Em outros tempos teria gerado um processo por plágio.



[1] Crítico de cinema. E-mail:

A bela do sábado de tarde




Rosalind Cash
Atriz estadunidense, protagonizou mais de 60 trabalhos






Trailer A última esperança da terra

sábado, 19 de maio de 2012

Terra dos Mortos

Prepare-se!!!
Os mortos estão chegando!!!


Sábado
Dia 26/05
15:30
Sala Redenção

Terra dos Mortos
de George A. Romero



Conheça os palestrantes

César Almeida é escritor e crítico de cinema. Publicou em 2009 o livro Cemitério Perdido dos Filmes B. Já participou de diversos ciclos de cinema e neste ano organizou, junto com Duda Falcão a I Odisséia de Literatura Fantástica do Rio Grande do Sul.
Conheça seu em trabalho:



Duda Falcão é Graduado em História, Especialista em Literatura Brasileira e Mestre em Educação. Também é escritor, dedicando-se a literatura fantástica. Fundou junto com César Almeida a Argonautas Editora.
Conheça seu trabalho:

O Zumbi é o lobo do homem


O Zumbi é o lobo do homem

Caio de Freitas Paes


“O homem é o lobo do homem”, disse o filósofo inglês Thomas Hobbes, para, de certa forma, justificar o papel do Estado como protagonista de uma (utópica) harmonia social. Esqueçamos as implicações sócio-políticas derivadas desta frase, e nos concentremos na ideia do homem como algoz de si mesmo. Os séculos têm nos mostrado como somos os principais vilões/culpados de nossos medos. De nossas ansiedades, desigualdades. De nossas maiores preocupações.

            Em outro ponto, um dos nossos principais medos é o da morte. Não apenas como fim de uma sequência infindável de acertos e erros, mas como um local/tempo/existência completamente desconhecido. A morte, no entanto, é comumente vista como apaziguadora, pois a partir dela todos os problemas terrenos se “resolvem”. Não há mais preocupações sentimentais, financeiras, de saúde ou dor.

            Agora, a partir destes dois raciocínios, pensemos: há medo maior do semelhante que não morre? Que, após o fim da consciência cerebral advinda do mundo dos vivos, é condenado a caminhar a esmo pela terra, além da morte, privado de seu “descanso eterno”? E que, além disso, ceifa seu outrora semelhante? Não é tão absurdo pensar no medo que a humanidade tem de si mesma, e da existência pós-morte que se transforma numa maldição.

            De formas distintas, este medo de nós mesmos e do pós-morte tem sido abordado no mundo das artes. Desde a literatura de horror, das fábulas apocalípticas, chegando até ao mundo dos quadrinhos. E, claro, o mundo cinematográfico. Aqui, cintila o nome do cineasta norte-americano George A. Romero. Em 1968, Romero lança o clássico A Noite dos Mortos-Vivos, produzido de modo quase independente, com diversos atores amadores e profissionais que trabalharam em diversas funções por trás das câmeras. O filme mostra desconhecidos tentando sobreviver, cercados em uma casa no meio do campo, a uma infestação que transforma humanos em seres desprovidos de raciocínio lógico – tal qual o que temos quando vivos -, forças movidas apenas pela fome. Fome de carne dos vivos. Fome esta que não pode ser saciada.

            Por mais que os “mortos-vivos” não fossem novidade no mundo cinematográfico, Romero trouxe um importante aspecto ao gênero com esta obra: a crítica social. Por meio desta metáfora (uma infestação de uma praga zumbi), o cineasta escancara o que Hobbes havia dito séculos antes: somos nossos próprios lobos. Para sobreviver, muitos de nós podemos tomar decisões eticamente discutíveis, condenáveis, mostrar facetas sombrias e obscuras da existência humana. Nos tornarmos assassinos impiedosos, sombras malditas em forma de homens e mulheres.

            E, vejam, há uma alta carga de individualismo neste receio de um apocalipse. No caso dos zumbis, há o individualismo daqueles que tentam sobreviver – que, em última instância, não hesitarão em jogar o outro a uma horda de mortos-vivos para escapar do perigo -, e o individualismo por parte dos zumbis – que despertam do descanso eterno para satisfazer uma necessidade individual, esta fome de vida (que nunca poderá ser plenamente saciada).



            Romero transita entre estes duros apontamentos sobre a obscuridade inerente a todos nós. A partir de 1968, Romero constrói uma extensa obra filmográfica marcada, claro, por seus filmes de zumbi. Mesmo que tenha transitado por outros gêneros – como o vampiresco em Martin [1976] e o drama Cavaleiros de Aço (1981), por exemplo -, o cineasta tornou-se o principal expoente do cinema de horror zumbi. A Trilogia dos Mortos, composta por A Noite dos Mortos-Vivos, O Despertar dos Mortos (1978) e Dia dos Mortos (1985), é essencial para qualquer fã do cinema de horror. Além disso, Romero aborda nestes filmes diferentes facetas humanas, indagando sobre nosso comportamento perante situações extremas, onde a sobrevivência é advinda de decisões difíceis, sem respostas certas ou erradas.



            Após um período distante da temática zumbi – da segunda metade da década de 80 até os anos 2000 -, Romero retorna ao gênero com o grande Terra dos Mortos, em 2005. Para muitos, o diretor já havia “dito tudo o que pudera” por meio de suas epifanias morto-vivas, mas Romero tem mostrado que ainda tem algumas reflexões pertinentes. Desde 2005, outros dois filmes com esta mesma catarse apocalíptica de pano de fundo foram lançados – Diário dos Mortos (2007) e Ilha dos Mortos (2009). Pode parecer que este gênero seja, de certa forma, um estigma na carreira de Romero, mas o diretor mostra que ainda consegue extrair boas indagações e contar ótimas histórias nesta temática.

            As hordas de mortos-vivos de Romero representam muito mais que o medo; elas simbolizam uma sociedade com raízes apodrecidas, autofágica. Condenados a vagarem pelos campos em busca do último sinal de vida restante, os zumbis de Romero são incansáveis. Com corpos apodrecidos, são movidos apenas pela fome, pela determinação em destruir – mesmo que inconscientemente – o mundo do qual fazemos parte. No universo romeriano, as instituições que restam são quase caricaturescas, exploradoras, maléficas. Por mais que soe de certa forma maniqueísta, Romero busca debater esta hierarquia global que nos é imposta por meio de uma sociedade neoliberalista, capitalista.

            Há de se destacar também a influência das obras George A. Romero. Expoente máximo do gênero, o cineasta influenciou artistas de outros campos, como, por exemplo, Robert Kirkman, roteirista de quadrinhos responsável pela febre The Walking Dead. Mais especificamente na obra original em quadrinhos, Kirkman bebe diretamente da fonte romeriana para construir sua bem arquitetada e rítmica narrativa. O quadrinista é apenas um de inúmeros outros artistas que admiram e homenageiam o trabalho inovador de Romero.



            De certo modo, Romero, ao longo de sua extensa filmografia, sempre se mostrou interessado nestas facetas obscuras do ser humano. Por meio de corpos putrefatos, sedentos pela carne dos vivos, o cineasta nos apresenta quão corrompidos podemos ser. Quão maléficos podemos nos tornar. Seguindo uma extensa linhagem de artistas que aborda a temática apocalíptica como forma de discutir o que realmente somos, Romero continua construindo seu retrato de Dorian Gray. Para aqueles que não se lembram, O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, narra a história de um homem eternamente jovem, que “aprisiona” sua verdadeira idade em um retrato – que não pode ser encarado. O corpo de um saudável jovem aprisiona uma figura decrépita, corroída por vaidade, putrefata. No caso do cineasta norte-americano, o retrato é o de nós mesmos. E, além disso, não pode ser escondido: ele nos é estampado, mostrado, para que encaremos nossas chagas, feridas e cânceres mais profundos, mais temerosos. E, sem dúvida alguma, precisamos fitá-lo.

            Ainda há de se discutir o viés social dos zumbis romerianos. Mesmo que movidos por necessidades individuais, há uma espécie de organização entre os mortos-vivos. Unidos pela fome, os zumbis marcham juntos pelo globo. E é exatamente por conta desta união que eles conseguem triunfar sobre os vivos. Porque, veja, eles são os vencedores no universo romeriano. O mundo agora lhes pertence, e não há nenhum esboço de reviravolta nesta “batalha”. Romero não nos mostra curas, soluções para a praga. O cineasta sempre destaca o caos, o egoísmo e, mais que tudo, a luta por uma sobrevivência enganosa por parte dos vivos. Não há uma equipe de cientistas desenvolvendo curas, formas de livrar os mortos (e os vivos) da maldição zumbi. Há cidades, ilhas, redutos de sobreviventes que, em tempo, estão condenados a se tornarem cemitérios, a se juntarem às filas de mortos-vivos que caminham pela Terra. E, comumente, o diretor elege um zumbi para liderar as hordas, para guiar os mortos-vivos em sua incansável incursão contra os humanos.

            É interessante notar, entretanto, que estes líderes estão sempre na linha de frente de batalha, misturados à plebe zumbi, quase que como socialistas utópicos, em pé de igualdade com seus semelhantes. Bom exemplo é Big Daddy em Terra dos Mortos: ele é o primeiro a usar ferramentas contra os humanos, utilizar pás, paus e armas de fogo contra os sobreviventes. É ele também o primeiro a ousar atravessar o rio que separa o mundo tomado pelos mortos do último reduto humano, uma cidade cercada por água e inundada em corrupção, desigualdade e selvageria. É para viver neste mundo desigual que os humanos romerianos lutam. Lutam sem possibilidade alguma de vitória. A força zumbi veio para ficar, para consumir a humanidade, para destruí-la como um todo. O apocalipse zumbi de Romero é a verdadeira revolução: muda, de forma irreversível, a nossa ordem mundial.

            Há ainda diversas outras reflexões possíveis acerca das obras de George A. Romero sobre a praga zumbi, com certeza. A cada espectador cabe fazer sua própria leitura das epifanias sangrentas, violentas, brutais e reflexivas realizadas pelo cineasta americano. Suas obras têm este poder: fazer-nos pensar quem somos, no que nos transformamos ao longo dos séculos, como nos comportaríamos diante de condições tão hostis e horrendas. Estampar a todos nós como, no momento decisivo, somos capazes de tudo. De “matar” o desconhecido, o amigo, o pai, o filho. E, do outro lado da câmera, Romero te pergunta se isto vale a pena. Talvez seja, de fato, este o nosso destino: exaurirmos o planeta, nós mesmos. Exterminar cada traço de vida humana restante. Limpar nossa existência da Terra. Sucumbirmos diante do lobo, sedento de si mesmo. Uma fome que se prolonga infinitamente, tal como nossa ganância. Fadados a um fim melancólico, brutal, acachapante. Por nossas próprias mãos.


Caio de Freitas Paes
Jornalista e Crítico de cinema



A bela do sábado de Tarde




Asia Argento
filha do cineasta Dario Argento, atuou em 50 filmes









Trailer Terra dos Mortos

sábado, 12 de maio de 2012


Sábado
Dia 19/05

Contágio
de Steven Soderbergh

Sala Redenção as 15:30



Conheça os palestrantes


Nikelen Witter
Possui graduação em História pela Universidade Federal de Santa Maria (1997), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1999) e doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2007). Atualmente é professora do Centro Universitário Franciscano - UNIFRA (Santa Maria, RS). Tem experiência na área de História Contemporânea, com ênfase no século XIX, pesquisando principalmente nas áreas da história cultural, práticas de cura e história da saúde.


Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/8774179848468670


Cassius Ugarte Sardiglia

Possui Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1995), Aperfeiçoamento em Genética Humana (Dept. Genética) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestrado em Microbiologia Agrícola e do Ambiente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1999) na área de Genética de Microrganismos, mais especificamente em Biologia Molecular de Fungos Filamentosos. Tem experiência na área de Microbiologia e Genética, atuando principalmente nos seguintes temas: Microbiologia Clássica, Microbiologia de Alimentos, Microbiologia ambiental (águas), Genética e Biologia Molecular de Microrganismos. Recentemente atuou como colaborador e aluno no grupo de pesquisa de Fisiologia Celular (Fiscel) do Dept. de Fisiologia da UFRGS. Têm experiência docente em nível superior em cursos das áreas Biológicas, da Saúde e agronômicas. Também atuou em outros níveis de ensino, como fundamental e técnico. Atualmente é professor efetivo (DE) do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IFSUL) campus de Charqueadas.

Para acessar seu currículo: http://lattes.cnpq.br/7318827415575412

Desventuras da Peste, o primeiro Cavaleiro do Apocalipse!

Cesar Augusto Barcellos Guazzelli

            A São João Evangelista, o mais jovem dos Apóstolos de Jesus, se atribui a escrita do último dos livros que compõem a Bíblia dos cristãos: o Apocalipse (em grego Revelação, porque teria sido ditado ao santo pelo próprio Cristo. Admite-se que a obra foi realizada durante o império de Domiciano (81-96 A.D.), época caracterizada pela devassidão de costumes, o que favorece muito as profecias sobre o final dos tempos como purgação dos pecados do mundo.

            É de João que vêm os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, iniciando a destruição: a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte. Numa célebre gravura de Dührer, eles aparecem tal como os descreveu o Apóstolo, e à esquerda de todos figura a Peste: “E eu vi, e eis um cavalo branco; e o que estava sentado nele tinha um arco; e foi-lhe dada uma coroa, e ele saiu vencendo para completar sua vitória” (6:2). Por que ele é o primeiro a aparecer? O branco do cavalo é a palidez que as doenças trazem em geral? As flechas medem seu alcance e sua rápida difusão? Não se trata aqui de exegeses ou interpretações, mas aí está a mais conhecida referência literária (mesmo que seja uma revelação!) à Peste, ou às pestes, quem sabe...



            Mas certamente não é a mais antiga. Na sua famosa História da Guerra do Peloponeso, Tucídides descreve a epidemia que atingiu Atenas em 430 A.C. durante o cerco implacável que sofria pelas tropas espartanas. Com a população ateniense confinada, a doença teria sido disseminada a partir do porto de Pireu, única comunicação exterior de Atenas, de onde rapidamente atingiu e matou cerca de um terço dos atingidos. Discute-se muito a natureza da epidemia: poderia ter sido peste bubônica, varíola, tifo ou outras... Pode-se dizer que ela esteve de acordo com os princípios que norteavam Atenas e foi “democrática”, pois matou também Péricles, o estratego da cidade, além de atingir ao mesmo Tucídides! Até mesmo “as preces feitas nos santuários, ou os apelos aos oráculos e atitudes semelhantes foram todas inúteis e, afinal, a população desistiu delas, vencida pelo flagelo”.

            Já avançada a Era Cristã, outras tantas pragas ao seu tempo tiveram contornos apocalípticos e pareciam convidar a todos para o fim dos fins. Nada como a Peste Negra, a grande epidemia de peste bubônica que assolou a Europa no século XIV. Assim como em Atenas, ela vinha de fora, e os culpados eram asiáticos, certamente infiéis. A Peste Negra pode ter liquidado até 75 milhões de pessoas, ou quase um terço da população européia. Sabe-se hoje que ela é causada por uma bactéria, Pausterella pestis, transmitida pela pulga do rato; ou seja, a difusão dos principais vetores era favorecida pelas péssimas condições de higiene das cidades medievais. Em sua ânsia para conter o que parecia ser um flagelo divino, alguns religiosos recomendaram a queima das enormes quantidades de lixo, além dos cadáveres insepultos, o que de certo ajudou no declínio da moléstia. Dela ficou também um livro canônico, o Decameron de Bocaccio, que conta cem histórias narradas por dez jovens que se refugiaram num elegante palácio ao longo dez dias, com todos os requintes da época, logo depois que “sobreveio a mortífera pestilência” que atingiu Florença.

            Num texto bem menos requintado que o florentino, Daniel Defoe, escreveu em 1722 o Diário Sobre o Ano da Peste, ocorrida em Londres em 1665. Conta ele: "Terrível peste este em Londres no ano de sessenta e cinco cem mil almas levou consigo mesmo assim, estou vivo!" Mesmo que haja excesso de dramaticidade, pois ele era muito criança quando da epidemia para dar um testemunho tão eloqüente, a doença fez entre 75 e 100 mil vítimas, a quinta parte da população londrina. Uma cidade afamada pelas piores condições higiênicas, também foi a contaminação externa a causa da epidemia, trazida pelos navios mercantes!

            Conhecedor que era dos acontecimentos no Novo Mundo, como bem demonstra em seu Robinson Crusoe, Defoe deveria estar a par das catástrofes causadas pelas moléstias espalhadas pelos conquistadores entre os nativos americanos. Além da varíola, uma doença viral que além de deixar marcas permanentes tinha alta mortalidade, outras viroses menos perigosas, como varicela, sarampo ou mesmo gripe, atingiam populações que não tinham imunidade a elas. Existem cálculos de que até uns 90% da população dos grandes impérios Azteca e Inca tenham sido vitimados por estas doenças. (Ainda no século XIX houve no Oeste dos Estados Unidos casos de empresários – e mesmo funcionários inescrupulosos – que distribuíam cobertores e roupas contaminados entre indígenas das reservas para exterminá-los!)

            (A varíola certamente foi uma das doenças epidêmicas mais danosas. Não por acaso era no Brasil conhecida como “bexiga preta”, pelo tamanho e aspecto das pústulas, que deixavam sinais permanentes. No Candomblé ela é associada a Omolu, o Orixá da doença e da morte, mas também da cura. Mas dentro da mui discutível afirmação de que “há males que vêm para bem”, foi a varíola que proporcionou e primeira forma eficiente para o tratamento de moléstias contagiosas. A descoberta por Jenner em 1796 de que leiteiras infectadas pela forma variólica benigna que atingia as vacas tornavam-se imunes à doença, incentivou-o a criar um preparado das pústulas secas dos animais, inoculando-os em pessoas sadias: inventava-se a “vacina”, palavra derivada do latinismo para vaca.)

            Os indígenas, no entanto, aparentemente “vingaram-se” dos seus algozes, já que parece ter sido americana a origem da sífilis, causada pela bactéria Treponema pallidum. Como no mais das vezes, as doenças vêm de fora! Era evidente que se tratava de doença sexualmente transmissível, o que deleitava os santos padres ao atribuírem os males ao castigo divino pelos pecados contra a castidade. Assim, a promiscuidade forçada pelos conquistadores contra as indígenas, mais tarde contra as escravas africanas, distribuía castigos iguais entre vítimas e carrascos. No entanto, mesmo na Europa as rivalidades entre os Estados faziam que uns e outros se acusassem pela transmissão de uma doença tão perigosa – e tão difícil de evitar, dada a fraqueza comprovada da carne! Na Itália, a sífilis era chamada de “mal francês” ou “gálico”, adjetivo que ainda hoje se usa; no entanto, os franceses a chamavam de “mal veneziano” ou “florentino”...

            Mas quem diz que uma doença muito feia não pode ser também romântica? O século XIX foi o do Romantismo, onde melancolia, sofrimento, decadência física como resultado dos males do amor, traziam junto também uma atmosfera soturna, “gótica” como querem alguns! Mais destaque à palidez que às cores, aos silêncios que as festas, às noites que aos dias. Foi a época da Peste Branca, o estigma do Mal do Século, a tuberculose pulmonar – ou tísica, como era chamada. A Noite na Taverna trouxe ao seu autor, Álvares de Azevedo, sua morte aos 21 anos, bem de acordo com o “libreto” de então. Alexandre Dumas, o Filho, ficou famoso criando a Dama das Camélias, a cortesã que morre de tísica. Ou seja, é ainda o pecado que traz consigo a penitência das doenças, não importando aqui que a tuberculose atingisse muito mais a população infantil e os miseráveis em geral das grandes cidades, que pouco tempo ou vontade tinham para tanto pecado! Talvez uma metáfora da doença que consumia corpo e alma das vítimas seja a literatura vampiresca, desde O Vampiro de Polidori, passando entre outros por Carmilla de Le Fanu, até o Drácula de Stoker. Afinal, pecado, sexo, palidez, e morte entre golfadas de sangue... 

            O Mal não terminou com o século, mas o século XIX não acabou com os males, apesar de a teoria microbiana ter derrubado de vez os miasmas medievais, além de os governos empurrarem literalmente goela abaixo dos doentes a medicina científica. A febre amarela, que dizimara as tropas que Bonaparte mandara para acabarem com a Revolução Haitiana, não desistira de matar franceses e impediu-os de construírem o Canal do Panamá. Mesmo que já houvesse aparecido por plagas brasileiras desde muito antes, foi do Caribe que veio uma grande epidemia da febre amarela para a própria capital do país. Não por acaso, foi Adolfo Lutz o grande sanitarista brasileiro que descobriu todo o ciclo da doença e o mosquito seu vetor. Também os países mais aquinhoados sofreram com ela: na Guerra Hispano-Americana, mais da metade das 345 baixas dos Estados Unidos em Cuba se deveram à febre amarela, que deixou mais de dois mil doentes.

            Entre nós, o início da República Velha propiciou que os sanitaristas agissem de acordo com os interesses dos governantes, e grandes medidas higienistas foram tomadas nas principais cidades, especialmente no Rio de Janeiro. Um grande movimento popular, a Revolta da Vacina, foi uma consequência do pragmatismo de Rodrigues Alves e a convicção de Osvaldo Cruz, que já havia erradicado a febre amarela e agora terminava com a varíola. Com a extinção da peste bubônica em Santos, os portos brasileiros com um século de atraso, finalmente se abriam para as nações amigas. Aparentemente, a civilização andava de braços dados com a saúde!

            Viria, no entanto, da velha Europa um novo e poderoso fantasma a atormentar os pecadores. Foram necessários três dos Cavaleiros do Apocalipse – o da Guerra, com sua espada vermelha, o da Morte, com sua gadanha, e o da Fome, com sua balança vazia – para liquidarem 9 milhões de pessoas de 1914 a 1918; no entanto, com o nome de Gripe Espanhola, o Cavaleiro da Peste trucidou entre 20 e 40 milhões por todos recantos do mundo. Foi uma doença “democrática”, atingia sem distinções todas as camadas sociais, e a mutação viral que alcançara o até então pouco agressivo Influenza provocou traumas que são re-atualizados ainda hoje. No Brasil, foram 300 mil vítimas fatais; também “democraticamente”, entre elas o presidente Rodrigues Alves! 

            Isto foi um pouco de História, mas o que virá no futuro? Controlou-se a sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis, mas a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – que conhecemos pela sigla inglesa AIDS – ainda atinge 30 milhões de pessoas, sendo endêmica em algumas regiões africanas. O conhecimento crescente da patologia da doença e da eficiência dos tratamentos ainda esbarra em resistências a medidas preventivas dos governos de vários países, quase sempre pressionados por grupos religiosos conservadores que revivem os velhos castigos divinos. A culpa?  Dos outros, dos pecadores... Solução? Castidade, abstinência etc...

Mas de quem seria a culpa da Síndrome da Vaca Louca, da Gripe Suína, ou da Gripe Aviária? E que medidas a tomar num mundo globalizado onde os grandes capitais exigiram a saída progressiva da intervenção dos Estados na promoção do bem estar social? Epidemias que paralisem populações produtivas, mesmo que não apresentem altos graus de morbidade e mortalidade, poderiam trazer danos econômicos e sociais de dimensões inimagináveis! Apocalípticas, quem sabe...

Há um conto árabe!

Nos tempos do Califado, o príncipe Abd’ul Aziz saiu da Bagdá para passear a cavalo no deserto. Na volta, encontrou uma velhinha que andava muito vagarosamente em direção à cidade; condoendo-se dela, ofereceu a garupa do cavalo para ajuda-la a chegar mais rápida e comodamente. Quando ela apeou e agradeceu sua ajuda, o príncipe indagou seu nome, ao que ela respondeu: – Sou a Peste! Tomado de fúria, Abd’ul Aziz sacou a cimitarra para decapitá-la, mas a velha não demonstrou qualquer reação: – Sou imortal, disse, se me decapitares voltarei de novo, mas façamos um trato: se me deixares agir agora, prometo que matarei apenas a quinta parte da população, não metade como pretendia! O príncipe aceitou o acordo, e imediatamente tratou de informar seus vizires do que estava ocorrendo, para tomarem providências. Mas não houve caso, a Peste foi implacável! Ao cabo de um mês, mais de três quartas partes das pessoas haviam morrido. Um irreconhecível Abd’ul Aziz saia novamente para o deserto, quando deparou com a velha que também saia de Bagdá. Alcançou-a: – Desgraçada, vais morrer, não cumpriste com a promessa! Com toda a calma respondeu a Peste: – Cumpri rigorosamente com o trato, matei apenas a quinta parte do povo de Bagdá... Os demais morreram de medo!

Esta versão da Peste árabe não tem a virilidade do Cavaleiro do Evangelista, mas parece ter mais sagacidade. Afinal, joga com uma variável que ainda não pensamos. O Apocalipse será a Peste, ou bastará a ameaça da Peste?

Cesar Augusto Barcellos Guazzelli

É professor de história da UFRGS
 

A bela do sábado de tarde e a Musa do Apocalipse



Kate Winslet
Atriz britânica, iniciou a carreira no início da década de 1990









Marion Cotillard
Atriz francesa iniciou a carreira no início da década de 1990











Trailer - Contágio

domingo, 6 de maio de 2012

Sábado dia 12/05

Dr. Fantástico

Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb

Sábado, dia 12/05

Sala Redenção 15:30



Conheça os Palestrantes


Luiz Dario Teixeira Ribeiro é Professor de História Contemporânea e História da África na UFRGS. Participa ativamente das atividades da área Cinema-História, estando presente nos ciclos de cinema realizados nos últimos cinco anos. Atualmente é doutorando na UFRGS.
















Charles Sidarta Machado Domingos é professor de História no IFSUL de Charqueadas, onde também coordena a Pós-graduação . Formou-se em graduação e mestrado na UFRGS, onde também realiza doutorado. Participou da organização de 5 ciclos de cinema, publicando diversos artigos.

Publicou mais de 8 livros e 22 artigos em periódicos especializados.

Para acessar seu currículo:http://lattes.cnpq.br/8245904767629504 

Stanley Kubrick descolorido ou As sombras da verossimilhança


Stanley Kubrick descolorido ou As sombras da verossimilhança

Rafael Hansen Quinsani

Muitos são os adjetivos atribuídos a um dos maiores cineastas da sétima arte. Gênio, polêmico, são alguns exemplos. Constantemente suas obras são lembradas por críticos, estudiosos e cinéfilos. E com frequência a lembrança recai sobre as películas 2001 uma odisseia no espaço, Laranja Mecânica, O iluminado e Nascido para matar. Estas obras, vitais para a história do cinema, são consideradas seus melhores trabalhos. Entretanto, seus filmes iniciais, rodados em preto e branco, têm no seu conjunto uma característica quase ausente nas suas obras posteriores: são mais próximos da verossimilhança do contexto retratado, destacando emoções e a humanidade dos personagens retratados. E o que estas obras singulares nos apresentam?


A carreira deste criativo realizador estadunidense, nascido em 1928, inicia na fotografia, com trabalhos e reportagens para diversos periódicos. Sua estreia no cinema ocorre com alguns curtas-metragens. Seu primeiro longa Medo e desejo, de 1953, não atingiu grande repercussão sendo posteriormente retirado do mercado pelo próprio cineasta. Neste contexto das décadas de 1940 e 1950, Kubrick seria influenciado por um gênero (ou um estilo como querem alguns) que sacudiu o meio cinematográfico: o noir. Batizado por críticos franceses que identificaram em alguns filmes produzidos no período pós-guerra alguns elementos em comum, como a fotografia e a cenografia inspiradas no expressionismo alemão, a presença de mulheres fatais que desafiavam o ideal patriarcalista da época, e o tom pessimista das histórias, carregadas de suspense, ambiguidade e algumas bizarrices.

Em 1955 é lançado A morte passou por perto, produzido com baixo orçamento, mas que impressionou muitos dos contemporâneos. A história de Davy Gordon, um pobre boxeador que se apaixona por sua vizinha Gloria Price, que trabalha numa casa de dança, e juntos decidem mudar de vida, destaca o meio urbano e seus lugares sórdidos, além da solidão impregnada de melancolia dos personagens, humanos, mas não simplórios. Um dos destaques do filme é a construção da narrativa. O espectador vê as cartas de alguém no espelho de Davy e mais tarde sabemos que são tios do personagem quando este conversa ao telefone. A preparação de Davy para a luta é alternada com a preparação de Glória para a dança. Kubrick utiliza os recursos estéticos para compor a narrativa de forma simples, mas criativa. Os ângulos de câmera da luta de boxe são ousados, intercalando a arte da luta com a perspectiva dos protagonistas. Os espelhos das quitinetes dos protagonistas auxiliam na ampliação do espaço e na multiplicação dos pontos de vistas. O sonho de Davy, apresentado em negativo também impressiona. É no seu desfecho que o filme destaca alguns dos elementos caros ao noir: as perseguições nos becos e telhados, a neblina e as brigas insólitas. O derradeiro confronto ocorre num depósito de manequins (onde o diretor joga com a presença do ator como objeto cenográfico) que culmina num duelo com machados!


No ano seguinte ao lançamento de A morte passou por perto, Kubrick vai além lançando O grande golpe. Verdadeira pérola narrativa, esta película narra a história de um roubo a um Hipódromo fragmentando a ação e o tempo. Neste processo o diretor destaca os personagens e seus dramas, apresentando os motivos do envolvimento no roubo. Um garçom, um funcionário da caixa de apostas, e um policial não são criminosos típicos, mas pessoas comuns que desejam resolver seus problemas. Também abundam os elementos noirs: a mulher fatal que perverte o homem, as sombras, os ambientes escuros e os personagens insólitos: o atirador bizarro e um lutador que joga xadrez. A ironia está presente na morte da mulher cambaleando e derrubando a gaiola de seu papagaio e na cena final, quando o personagem sobrevivente tenta fugir no aeroporto e vê o dinheiro roubado se espalhar pela pista graças a uma confusão iniciada por um pequeno cachorrinho.

Já em 1957 o cineasta lança seu enfoque para o passado, abordando a I Guerra Mundial em Gloria feita de sangue, protagonizado por Kirk Douglas. Neste retrato impactante das trincheiras enlameadas das fronteiras bélicas, as trincheiras nacionais e o patriotismo são questionados na segunda metade do filme, quando ocorre o julgamento do oficial francês. Uma obra forte e contundente sobre a guerra e suas consequências humanas.


A polêmica veio à tona em 1962, quando o cineasta filmou a obra de Vladimir Nabokov Lolita, escrita em 1955. O filme iniciou na criação do mito da ninfeta, presente até os dias de hoje na cultura e na mídia. Fato recorrente na obra do cineasta, a adaptação de obras literárias ganham destaque, sobretudo pelo uso que o cineasta faz dela para a construção de suas películas. Kubrick transpôs para a abertura o embate final dos antagonistas, modificação que confere à película outro tom na sua narrativa. A anteposição de dois adversários em prol do amor da menina é mais acentuada no filme. A brilhante interpretação de James Mason como o professor Humbert encontra-se com a marcante presença de Peter Sellers como o produtor e roteirista Quilty (o ator tinha liberdade para o improviso, fato raro nas obras de Kubrick, descrito como dominador e pouco receptivo a espontaneidade). Quando este aparece bêbado em sua mansão, sua primeira frase é emblemática: “Sou Spartacus. Venho libertar os escravos”. Uma clara ironia do diretor com sua obra anterior Spartacus, protagonizada por Kirk Douglas onde Kubrick trabalhou sob as ordens do estúdio (também foi o primeiro filme colorido do cineasta) substituindo Anthony Mann.

A polêmica do filme constrói-se em torno da relação com o professor de literatura, um europeu de meia idade vivendo nos EUA com a jovem conhecida como Lolita, filha da dona da casa onde o professor se hospeda. A associação dos elementos infantis (o bambolê, o pirulito, as saias) com a sensualidade feminina exacerba uma tensão sexual no filme. Muito se criticou que o filme ressalta mais o poder de sedução de menina do que o comportamento pedófilo do protagonista. Mas o filme de Kubrick não se exime de destacar a ambiguidade dos personagens, construindo aberturas para a reflexão do espectador. Destaca-se ainda que na sua camada latente, verifica-se uma metáfora do imperialismo no contexto da Guerra Fria, onde o “charme do velho do mundo” defronta-se com a nova cultura de massa estadunidense simbolizada nas relações de confronto dos personagens Humbert e Quitlty e de dominação e resistência do professor com Lolita e sua mãe.


A força da obra de Kubrick pode ser percebida quando comparada a versão de Adrian Lyne, realizada em 1997. Destaca-se a ausência de Quilty, visto nas sombras e presente fisicamente somente na cena final. Se esta ausência retira o opositor de Humbert, que no filme de Kubrick inseria uma dualidade bem versus mal, por outro lado também retira a ironia da atmosfera do filme, que também marca as relações cotidianas de Humbert com sua nova esposa. Mesmo com uma vistosa fotografia em tons sépia da obra de Lyne, que destacam as coxas roliças de Lolita, sua pele molhada no banho de mangueira e seus olhos lancinantes, o filme de Kubrick ganha pontos ao construir os personagens e compor uma narrativa mais sólida, trabalhando com as possibilidades e limitações que a época lhe impunha. Se no filme dos anos 1990 o sexo é mostrado visualmente e as cenas ousadas pontuam o filme (quando Lolita retira o aparelho para fazer sexo oral em Humbert ou quando come uma banana no carro) o filme sessentista busca na sutiliza e nas lacunas provocar o espectador. Mais do que isso, a vitalidade quase histriônica da Lolita dos anos 1990, que pode ser considerada uma representação da autonomia feminina, perde força ante a ambiguidade alternada da obra de Kubrick. Se no filme de Lyne a própria menina pinta sua unhas numa cena quase corriqueira, a longa e detalhada cena do filme de Kubrick, onde Humbert pinta delicadamente as unhas dos pés de Lolita, demarca um duplo poder e dupla submissão de uma relação complexa.

Dois anos após a realização de Lolita, Kubrick extrapolou seus limites naquela que talvez seja sua melhor obra. Dr. Fantástico, segundo o crítico Roger Ebert é a “A maior sátira política do século”. Nele encontramos uma abordagem radical à narrativa onde a farsa revela os paradoxos do mundo em ebulição nos quentes eventos da Guerra Fria.

Em todos os treze filmes do cineasta encontramos um caráter destrutivo e autodestruitivo da natureza humana, seja pelo amor, pela guerra, pelo patriotismo, pela violência ou pelas trapaças. Curiosamente, quando realizou suas obras em preto e branco, Kubrick aproximou-se da verossimilhança dos contextos retratados, ressaltou o humanismo dos personagens construindo filmes mais emotivos. Suas obras coloridas esvaziam em diferentes graus esses elementos, centrando-se nos elementos estéticos e técnicos. “A história interessa pouco. Essencialmente, Kubrick é o triunfo da técnica” escreveu o crítico Jean Tulard. Mas ao olharmos a História (e as histórias) com mais cuidado, veremos que nem sempre foi assim.

Rafael Hansen Quinsani

É doutorando em História na UFRGS onde pesquisa a relação cinema-história