Mad Mel: o talentoso estranho que nós amamos
Muito se fala na
mídia sobre a controversa vida particular de Mel Gibson e o quanto ele é um
sujeito de temperamento difícil, sem falar as acusações de antissemitismo por
conta dos impropérios ditos quando foi preso por dirigir alcoolizado em 2006.
Gibson tinha declarado a um dos oficiais que "os judeus são responsáveis
por todas as guerras do mundo". Acusações reforçadas em abril último pelo
roteirista Joe Eszterhas (Instinto
Selvagem, Showgirls) que
trabalhava no script para The Maccabeees, um projeto do ator/diretor em que ele
interpretaria Judas Macabeus, personagem tido como herói do povo judaíco, numa
carta de 9 páginas divulgada amplamente pela Internet. No mesmo dia, a Warner
Brothers anunciou que o projeto foi engavetado pois faltava
"sentimento" ao roteiro de Eszterhas. Não foi a primeira e nem
a última vez em que "Mad Mel" marcará presença na imprensa com notícias
do tipo.
Vamos deixar o
papo de revista Contigo de lado e partir para o que realmente interessa, sua
relevância como ator e diretor. Nascido em 03 de janeiro de 1956 no Estado de Nova
York, Gibson cresceu e fez carreira na Austrália antes de ser notado por
Hollywood. Seu primeiro papel de destaque foi em um suspense pouco visto intitulado
O Último Verão (Summer City), de 1977. Dois anos depois do lançamento deste filme,
viria Mad Max, de George
Miller, um longa de extrema influência para o cinema de gênero como o
conhecemos hoje. O filme é parte de um tempo em que sequências impressionantes
de ação eram realizadas sem qualquer inserção de efeitos visuais de computação
gráfica. A enérgica presença em cena de Gibson, então praticamente desconhecido,
já dava mostras de que ele tinha tudo para se tornar um astro.
Mad Max é destaque no documentário Not Quite Hollywood, de Mark Hartley, e
através dele, o espectador confere as proezas realizadas pelo destemido dublê
Grant Page que inclusive faz um carro voar literalmente com ele na direção.
Detalhe: o sujeito já estava com a perna ferrada por causa de uma cena
anterior. O filme de Miller foi um enorme sucesso mundial e gerou outras duas
continuações. Ambas faturaram alto nas bilheterias, especialmente Mad Max 2, um brilhante híbrido de
ação/ficção que conseguiu superar o original. Ainda na Austrália, Gibson faria Tim – Flores de Aço, um drama
co-estrelado pela excelente Piper Laurie onde o ator viveu um rapaz com
problemas mentais e o correto Força de
Ataque Z, filme de guerra em que ele dividiu a tela com John Phillip Law e
Sam Neill, cuja carreira também se encontrava em ascensão depois de ser
protagonista em uma fascinante produção européia dirigida por Andrzej Zulawski
intitulada Possessão.
Mas o grande
reconhecimento de Gibson viria por parte de sua participação em dois dos melhores
filmes de Peter Weir: Gallipoli e O Ano em Que Vivemos em Perigo. Weir é
um realizador que ganhou atenção internacional por conta do atmosférico Piquenique na Montanha Misteriosa e a
parceria de ambos gerou bons frutos com o realizador partindo para Hollywood
dirigir A Testemunha e o ator
dividindo a tela com Anthony Hopkins em seu próximo filme, O Grande Motim, numa produção de Dino de Laurentiis. Foi no ano de 1987
que Gibson encarnaria o impetuoso Martin Riggs em Máquina Mortífera, um sucesso mundial de bilheteria dirigido pelo
especialista Richard Donner (Superman,
A Profecia) que geraria mais outras
três bem sucedidas continuações. Riggs também foi o personagem que faria de
Gibson um símbolo do cinema de entretenimento norte-americano e também um de
seus astros mais populares. Seu parceiro de cena, Danny Glover, interpretou
Roger Murtaugh, que costumava a ser a voz da razão entre a boa e velha dupla de
parceiros de personalidades opostas, uma fórmula testada com sucesso anteriormente
por Walter Hill em 48 Horas, de 1982,
que juntou o comediante Eddie Murphy e Nick Nolte. Glover vinha de uma boa
carreira televisiva e ganhou a atenção maior do público internacional em 1985
por conta de sua atuação em A Cor Púrpura,
de Steven Spielberg. Uma curiosa coincidência vem do fato de Glover possuir uma
importante participação em A Testemunha,
a já citada porta de entrada de Peter Weir em Hollywood.
Daí em diante, foi só
alegria para o “Mad Mel”. Como o ator demonstrou seu talento cômico no papel de
Riggs, ele passou a utilizar o seu lado divertido em produções mais comerciais
e despretensiosas como Alta Tensão, Air America e Maverick. Não demorou para
Gibson surpreender com escolhas diferentes daquelas que astros de seu porte
geralmente faziam em suas carreiras. Além de protagonizar a adaptação de Hamlet dirigida por Franco Zeffirelli,
ele estrelou no subestimado Conspiração
Tequila, um conto noir escrito e
dirigido por Robert Towne (Chinatown)
e co-estrelado por Kurt Russell e Michelle Pfeiffer. Sobre a sua experiência em
Hamlet, onde contracenou com Glenn
Close, Alan Bates, Paul Scofield e Ian Holm, Gibson brincou em uma entrevista
dizendo que atuar ao lado deste elenco de pesos pesados da atuação foi como
entrar num ringue com o Mike Tyson.
Em 1993, o ator deu
um grande passo com O Homem Sem Face,
sua estreia na direção de longas. Gibson também atua no ótimo drama, que
revelou o talento do jovem Nick Stahl (Entre
Quatro Paredes, Sin City). Foi a
preparação para dirigir e protagonizar Coração
Valente, um dos maiores sucessos de
sua carreira e uma produção de elevado orçamento que arrebatou 5 dos 10 Oscars
para os quais foi indicada: Melhor Filme, Melhor Fotografia, Melhor Direção,
Melhor Maquiagem e Melhor Edição de Som. O filme, também estrelado por Gibson,
reacendeu o interesse do público para o gênero épico e a recriação da Batalha
da Ponte Stirling é sempre mencionada em listas com as melhores cenas de batalha
já realizadas no cinema. Gibson declarou que Coração Valente seria um tributo aos épicos que ele assistia quando
criança, como Spartacus de Stanley
Kubrick.
Como ator, Gibson
continuou a ser um nome rentável. Ele gozou de prestígio suficiente para se arriscar
em projetos mais pessoais como O Hotel de
um Milhão de Dólares de Wim Wenders e Fomos
Heróis, filme ultra-conservador sobre a Guerra do Vietnã, enquanto também
estrelava em blockbusters como O Patriota e Do Que As Mulheres Gostam, comédia romântica de grande sucesso nos
cinemas e nas hoje quase extintas locadoras de vídeo.
A polêmica surgiria
em peso no ano de 2004 com A Paixão de
Cristo, onde Gibson não poupou o espectador da sua visão do calvário
enfrentado por Jesus Cristo. Acusações de preconceito do ator/diretor contra
judeus vieram com força total, apesar de que o próprio Novo Testamento pode ser
interpretado como antissemita em algumas de suas passagens. O impressionante Apocalypto viria dois anos depois e para
atingir o mesmo grau de realismo conseguido pelo longa anterior, essa produção
também não é falada em inglês, mas em línguas praticamente mortas, forçando os
desacostumados espectadores norte-americanos a assistirem aos dois filmes
legendados. Em A Paixão de Cristo, os
personagens falam em latim, aramaico e hebraico. Em Apocalypto, eles se comunicam através de línguas maias. Uma
iniciativa louvável.
Com o lançamento de O Fim da Escuridão em 2010, Gibson
voltou a ser mais ativo como ator depois de quase 10 anos sem protagonizar um
longa. Um Novo Despertar, dirigido e
estrelado por Jodie Foster – sua parceira em Maverick - fracassou nas bilheterias, mas o recente Plano de Fuga é um agradável filme de
ação que caiu nas graças de todos aqueles que sempre adoraram o seu jeitão ‘badass’ e sarcástico para encarnar
anti-heróis. Um tipo que ele certamente deve repetir em Machete Kills, próximo longa de Robert Rodriguez.
Quem pensa em
boicotar o trabalho de alguém como Mel Gibson apenas por conta das besteiras
que ele faz com a sua vida pessoal (algo que, certamente, não é da nossa
conta...) está perdendo o trabalho de uma das personalidades mais talentosas e
interessantes do cinema moderno. Essa pessoa também deixaria de se emocionar
com Os Três Patetas, uma bela
cinebiografia produzida pelo ator para a TV sobre o inesquecível grupo de
comediantes. Não tinha ouvido falar sobre esse filme antes? Trata-se de apenas
uma das pequenas surpresas que um olhar mais atento em sua filmografia pode
descobrir. Boa caçada.
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