sábado, 30 de junho de 2012


Sábado
Dia 07/07

Ensaio sobre a cegueira

Sala Redenção
15:30



Conheça os Palestrantes


Luis Augusto Fischer é professor de letras na UFRGS. Articulista em diversos periódicos. Publicou mais de cinqüenta livros. Alguns de seus últimos títulos: ESCURO, CLARO - CONTOS REUNIDOS; MACHADO E BORGES E OUTROS ENSAIOS SOBRE MACHADO DE ASSIS; INTELIGENCIA COM DOR - NELSON RODRIGUES ENSAISTA; FILOSOFIA MINIMA LER, ESCREVER, ENSINAR, APRENDER; DICIONARIO DE PORTO-ALEGRES; DUAS AGUAS.

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Luiz Roberto Lima Barbosa

licenciado em artes com habilitação em desenho (1991) e mestre em Educação (2000), ambos pela Universidade Federal de Pelotas; integra os Grupos de Pesquisa: "EXPERIMENTA" IFSul-Campus Pelotas/FaE-UFPEL e "Gravura não tóxica" IAD-UFPEL; atua como professor de Arte para o ensino médio e de Linguagens, processos e desejos para o curso de Especialização em Educação e Contemporaneidade, e desde 17 de outubro de 2011 Chefe do Departamento de Ensino do Instituto Federal Sul-Riograndense, Campus Charqueadas.

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Ensaio sobre a cegueira



Por Arthur Freitas



Ao adaptar um livro para o cinema, o realizador não jura fidelidade à obra original. Nem deve, uma vez que com um meio tão diferente, as abordagens, os caminhos e até mesmo o argumento podem divergir. Afinal, ao escolher adaptar outra obra, o resultado não pode ser uma película vazia, morta. Deve valer por si mesma, trabalhar de forma independente.

É preciso deixar isso bem claro. Afinal de contas, o Ensaio sobre a cegueira de Meirelles não é, nem tenta ser, o mesmo de Saramago. 

E o Ensaio sobre a cegueira começa na rua, no caos civilizado. É onde Fernando Meirelles tem pleno domínio de sua estética. Mas é um espanto. Foram-se os tons quentes de Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel. A frieza, com um grande destaque para o branco, perdura por todo o filme.

Meirelles é conhecido por seu vigor nas imagens, mas faz aqui um filme tão clínico quanto naturalista. Mesmo com suas imagens frias, distância dos elementos em cena, e planos duros, há uma grande humanidade nas situações, dispensando qualquer risco de cair na teatralidade. Talvez cause, em seu público, um problema para se interessar pelos personagens, mas ao final percebesse que a cegueira abordada por Meirelles também se enquadra para o cinema e seu atual espectador.


Esse elemento do argumento é bem delineado nas escolhas artísticas do realizador. A “cegueira” da câmera é angustiante, o desfoque dos planos perturba. Ao nos deixar apenas com o som (e, em determinados momentos, nem ele), Meirelles aposta na falta da imagem, o centro de qualquer obra cinematográfica. Ele dá um novo valor à imagem, ele força o espectador a ver.

E aí está o diferencial de Ensaio sobre a cegueira em sua forma de película. Ele discute temas próprios com propriedade exemplar, aposta em sua estética tanto quanto em seu argumento. É cinema, oras. Deixa-se a imaginação de lado — essencial para a prosa — e dá destaque justamente para a visão, ou a ausência dela, em película. É um exercício de imagem perigoso, mas Meirelles o carrega bem em momentos corretos, mostrando uma total apropriação sobre suas escolhas estéticas.

E, para um filme-parábola que aborda o sentido humano, esse é um pilar importantíssimo.  Ao deixar de lado aquela vivacidade da câmera, que passeia pelas favelas em Cidade de Deus, para enquadramentos duros, Meirelles entende muito bem que suas imagens serão mais analíticas e menos participativas; como complemento, porém, há a cegueira branca, para deixar o espectador a par, próximo e perturbado. Não por igualá-lo ao personagem (o que o filme não faz), mas por torná-lo, literalmente, impossibilitado de ver.

Ao que resta, então, é uma experiência sensitiva mais rica, um distanciamento da história quanto personagem e aproximação quanto argumento. E talvez seja a aposta mais alta do filme, uma vez que dá uma potência ainda maior para sua história (filmar, por exemplo, as cenas do campo de isolamento com planos abertos, teatrais, tirariam impacto) e tapando alguns buracos que podem incomodar. Pode estereotipar alguns personagens, tornar fatídico demais um ato, ou se estender além da conta no último ato. Mas não se pode negar, a qualquer momento, que Meirelles não soube lidar com o material.

De fato, em outras mãos, o filme poderia ter perdido todo o seu lado incisivo. Poderia ter sido esvaziado em detrimento a um conto de um relacionamento em um período caótico. Algo que atrairia mais público, mas daria razão à muitas críticas que o realizador recebeu por ser pretensioso demais. Mas Meirelles tentou, e a seu modo conseguiu, tornar seu Ensaio sobre a cegueira incisivamente relevante ao cinema como a obra literária. Caberá ao indivíduo espectador, isolado, decidir se os temas foram elaborados de forma devida no produto final. E está aí o aspecto-mor do filme: é necessário vê-lo.

A bela do sábado de tarde e A Musa do Apocalipse




Juliane Moore
atriz estadunidense, atuou em mais de 70 filmes









Alice Braga
atriz brasileira com diversos trabalhos no exterior







Trailer Ensaio sobre a cegueira

sábado, 23 de junho de 2012

sábado

Sábado, dia 30/06

Conquista Sangrenta

Sala Redenção
15:30



Conheça os Palestrantes





Igor Salomão Teixeira

Igor Salomão Teixeira é Professor Adjunto de História Medieval no Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nesta mesma Instituição concluiu em 2011 o doutorado em história, com estágio de doutorando na École des Hautes Études en Sciences Sociales - Groupe d'Anthropologie Scolastique (Bolsa CAPES/PDEE) entre 2009 e 2010 - e, em 2007, obteve o título de mestre em história. Sua área de investigação é em história da Idade Média, especificamente, segunda metade do século XIII e primeira metade do século XIV, com ênfase na produção teológica e hagiográfica da Ordem dos Dominicanos e processos de canonização. Organizou a obra coletiva: Reflexões sobre o medievo, publicada em 2009. Também tem experiência em organização de acervos institucionais e educação patrimonial.
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Rafael Farias de Menezes

Tem experiência na área de História, com ênfase no período medieval na região norte da África, em especial nos espaços de religiosidade muçulmana. Paralelamente, possui larga experiência em sala de aula, interessando-se sobremaneira pelo tema História e Educação, desenvolvendo, por isso, livros didáticos e softwares na área.

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Conquista sangrenta – Paul Verhoeven, Rutger Hauer e a Idade Média como o cinema nunca viu

 

Osvaldo Neto[1]

 

O cinema moderno deve muito às grandes parcerias criativas entre atores e diretores.  Basta lembrarmos das contribuições entre Tod Browning e Lon Chaney, que juntos realizaram alguns dos títulos mais impressionantes do período mudo, entre eles The unholy three, The unknown e o hoje perdido London after midnight.  Outras colaborações que geraram obras-primas da sétima arte foram as de John Wayne e John Ford, Toshiro Mifune e Akira Kurosawa, Clint Eastwood e Sergio Leone, Martin Scorsese e Robert De Niro. Até mesmo no campo dos filmes B e de baixíssimo orçamento a história se repete. Impossível pensar no trabalho de Edward D. Wood Jr. sem também pensar em Bela Lugosi emprestando alguma dignidade para os filmes deste infame realizador, por exemplo. Cada uma dessas parcerias costuma resultar em algo mais especial do que o de costume, sem exceção.

Apesar de pouco lembrada como as citadas acima, a parceria entre Paul Verhoeven e Rutger Hauer não fica muito atrás em termos de ousadia e qualidade. Ela teve início quando ambos estavam no início de suas carreiras e Verhoeven dirigiu uma série holandesa de fantasia medieval chamada Floris, protagonizada por ninguém menos que Hauer. Foi com o lançamento de Louca paixão, segundo filme do diretor para os cinemas, e Os amantes de kattie tippel que a dupla ganhou fama internacional. Os dois longas são carregados em erotismo, com o sexo sendo filmado da forma mais naturalista possível, algo que se tornaria uma das marcas registradas de Verhoeven, assim como o uso da violência em suas produções. Quando criticado por isso, ele afirma que o cinema apenas reflete a violência da sociedade. Com a palavra, Paul Verhoeven: "As pessoas gostam de ver violência e coisas horríveis. O ser humano é ruim e ele não suporta mais que cinco minutos de felicidade. Coloque-o numa sala escura e peça para ele assistir duas horas de felicidade e ele sairá da sala ou cairá de sono".



Verhoeven nunca negou que adora chocar o público.  E isso ele faz com sucesso em Conquista sangrenta, sua estréia em Hollywood numa produção da Orion Pictures. Sua visão da Idade Média é possuída por sexo, violência, Peste Negra e ignorância. Ou seja, pela primeira vez, teríamos o registro mais fiel desse período da História Ocidental no cinema. O filme foge por completo do romantismo hollywoodiano que infesta os filmes do gênero. Agnes (Jennifer Jason Leigh) e Steven (Tom Burlison), respectivamente, a mocinha e o mocinho do longa , não se importam com os deformados cadáveres de homens enforcados que estão muito próximos do casal quando eles se beijam pela primeira vez.

Existe também uma severa e explícita crítica às instituições religiosas, na figura do Cardeal interpretado por Ronald Lacey, que é um dos personagens mais perigosos do filme e faz parte do grupo de mercenários liderado por Martin (Rutger Hauer, incrivelmente carismático). Eles idolatram a imagem de um santo que os ‘aponta’ para o caminho que devem seguir. Numa das tomadas mais inspiradas da produção, Martin parece ter uma auréola no topo de sua cabeça.

Conquista sangrenta lida com esses temas sérios, porém jamais deixa de ser um rico filme de aventura, que ganha fôlego quando Martin e seus companheiros sequestram Agnes por engano. A sequência do “estupro” é um dos pontos altos do longa, com o mercenário tirando a virgindade da garota. Aspas foram usadas na palavra porque, de início, o ato foi forçado, mas Agnes termina gostando de fazer sexo com Martin e demonstra isso de tal maneira que os amigos de Martin fazem graça da situação, dizendo que é ele quem está sendo estuprado. Com o passar do tempo, os dois desenvolvem um relacionamento e Agnes fica cada vez menos sem roupa e cada vez mais dividida entre Martin e Steven, que se une ao fiel Hawkwood (o excelente Jack Thompson) e um grupo de soldados para juntar forças e resgatar a sua amada dos algozes.

Além dos atores citados, temos no elenco o espanhol Simón Andreu e os falecidos Susan Tyrrell, Brion James e Bruno Kirby que se destacam dos demais membros do grupo de Martin. A vigorosa trilha de Basil Poledouris (Conan, Amanhecer violento) confere uma grandiosidade épica que é muito bem-vinda, especialmente nas cenas de ação.

O longa é fruto de um tempo em que grandes estúdios independentes como a Orion e a Cannon apostavam nos talentos de realizadores que ofereciam produções que passavam longe do lugar comum, concedendo liberdade criativa para eles fazerem os filmes que bem entendessem.  O sistema de ambas era semelhante. Por exemplo: Enquanto a Cannon lançava Braddock - o super comando de um excelente pau para toda obra do filme de gênero classe B como Joseph Zito, um realizador mais introspectivo e ligado aos espectadores 'cult' do naipe de Andrei Konchalovsky rodava Expresso para o inferno. Muito diferente do que vemos acontecer nos dias de hoje.

Conquista sangrenta marcou a quinta e última parceria de Rutger Hauer com Paul Verhoeven. Hauer já se encontrava bem estabelecido em Hollywood, devido às suas performances de sucesso no cultuado Blade runner e em Falcões da noite, um ótimo policial dirigido por Bruce Malmuth e estrelado por Sylvester Stallone, seu primeiro filme americano. Pouco depois, ele teria um de seus grandes momentos no papel do assustador John Ryder de A morte pede carona. Hauer também se firmaria como astro de ação graças a Exterminador implacável e Fúria cega para acabar dedicando sua carreira para uma série de produções para TV e lançamento direto em vídeo, uma sina que também atingiu outros excelentes atores. Deste período mais “negro”, são poucos os filmes que realmente se destacam e devem ser mais conhecidos, como Um homem sem destino (Mr. Stitch), uma inteligente variação da clássica história de Frankenstein escrita e dirigida por Roger Avary (Pulp fiction, Parceiros do crime) com Hauer como criador e Will Wheaton como a criatura. Recentemente, o astro holandês interpretou Van Helsing para o Drácula de Dario Argento e o pintor Pieter Brugel em O moinho e a cruz de Lech Majewski, dois papéis que deverão recompensar as futuras escolhas do ator.

Logo após Conquista sangrenta e também para a Orion Pictures, Paul Verhoeven comandou aquele que seria o seu maior sucesso comercial: Robocop. Uma obra-prima do cinema de ficção científica, onde Verhoeven também não poupou o espectador de cenas aterradoras e de sua forte visão pessimista do mundo em que vivemos. Outro filmaço viria a seguir, O vingador do futuro, desta vez para a Carolco, que também produziria Instinto selvagem, um filme menor, mas que não deixou de ser um esmagador sucesso de bilheteria. Seus filmes seguintes em Hollywood (Showgirls, Tropas estelares e O homem sem sombra) não atingiram o mesmo brilhantismo das produções anteriores e foi necessário ele voltar à Holanda para realizar A espiã, um dos melhores filmes de sua carreira.

Por conta de atritos entre ator e diretor durante as filmagens de Conquista sangrenta, onde Hauer estava cansado de ser visto como vilão e queria fazer de Martin um tipo mais heróico, não existem previsões para uma futura parceria entre Hauer e Verhoeven. Uma inimizade que certamente acarretou na perda de outros grandes filmes a serem feitos pela dupla.



[1] Crítico de cinema. http://vaeveja.blogspot.com.br/

A bela do Sábado de Tarde




Jennifer Jason Leigh
Atriz estadunidense com diversos trabalhos no cinema e televisão







Trailer Conquista Sangrenta

sábado, 16 de junho de 2012

Sábado

Sábado
Dia 23/06

Guerra dos Mundos

Sala Redenção
15:30



Conheça os Palestrantes



Diorge Konrad é Professor da Universidade Federal de Santa Maria no Departamento e no Programa de Pós-Graduação em História. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Social do Trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: História, Brasil, Movimentos Sociais e Políticos, Rio Grande do Sul. Organizou diversos ciclos de cinema na UFSM.

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Helen Scorsatto Ortiz

Graduada em História (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2000). Especialista em História Contemporânea pela FAPA (2000) e mestre em História pela Universidade de Passo Fundo (2006). É doutoranda do PPGH da PUCRS e é professora e tradutora/intérprete de Língua Brasileira de Sinais. Atualmente integra o quadro docente do Instituto Federal de Educaçao, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, campus Porto Alegre. Tem experiência na área de História e Sociologia como docente e pesquisadora, com ênfase em História do Brasil Império, atuando principalmente nos seguintes temas: História Agrária, História do Rio Grande do Sul.

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A Guerra dos Mundos. De H. G. Wells a Steven Spielberg

Por Rafael Belló Klein


            É possível que nem todos, especialmente os mais jovens apreciadores do cinema hollywoodiano moderno, repleto de efeitos especiais, saibam que o filme Guerra dos Mundos, grande sucesso de bilheteria de Steven Spielberg, foi baseado em uma obra literária do século XIX. De fato, a inspiração para a superprodução de Spielberg, de 2005, foi o livro The War of the Words do escritor britânico Herbert George (H. G.) Wells, publicado pela primeira vez em 1898.

            H. G. Wells é hoje considerado um dos grandes fundadores da ficção científica como gênero literário. Entre suas obras encontram-se grandes clássicos como A Máquina do Tempo (1895), A Ilha do Dr. Moreau (1896), O Homem Invisível (1897) e, é claro, A Guerra dos Mundos (1898); todos com diversas adaptações de sucesso para o cinema.



O livro A Guerra dos Mundos de Wells, dividido em duas partes, narra a história da chegada e da conquista da Terra por marcianos, uma raça de seres tecnologicamente mais avançada que a nossa, que por muito tempo observou, invejou e desejou para si nosso fértil e habitável planeta, tendo em vista o esgotamento e degradação do seu próprio planeta de origem. Os marcianos chegam a Terra por meio de cápsulas artificiais, à primeira vista confundidas com meteoros, uma das quais cai nos arredores de Londres, próximo à casa do narrador da história, cuja identidade não é apresentada.

Os invasores, após algum tempo, saem de suas cápsulas, sendo feita na seqüência, uma primeira tentativa pacífica de comunicação, porém o grupo que se aproxima dos marcianos é desintegrado pela ação de um “raio de calor” (heat-ray, no original). Esta, juntamente com os tripods, grandes estruturas metálicas com três pernas e a black smoke, fumaça negra tóxica, são as principais armas dos marcianos, cuja avançada tecnologia em breve domina toda a região.

A descrição dos marcianos, semelhantes a polvos gigantes, é impactante:

“Uma grande massa cinzenta e arredondada, talvez do tamanho de um urso, emergia lenta e penosamente do cilindro. (...) brilhava como couro molhado. Dois grandes olhos escuros fitavam-me impassivelmente. A massa que os rodeava, a cabeça da coisa, era redonda e tinha, digamos, um rosto. Havia uma boca sob os olhos, uma fenda sem lábios que fremia e arquejava, pingando saliva. (...).
Quem nunca viu um marciano vivo não pode imaginar a estranheza e o horror de sua aparência. (...) o incessante frêmito da boca, o monstruoso grupo de tentáculos, como os de uma Górgone, o tumultuoso respirar dos pulmões (...). Havia algo de fungóide na oleosa pele marrom, algo de uma sordidez indizível na deliberação desajeitada dos movimentos tediosos. Mesmo nesse primeiro encontro, (...) o nojo e o pavor me dominaram”.



Sem querer examinar à exaustão a cativante narrativa de Wells, é interessante citar também a famosa passagem em que o protagonista-narrador fica preso com um padre em uma casa em ruínas, com os invasores nas proximidades. Isso porque, em primeiro lugar, esta será uma cena adaptada nas versões cinematográficas do livro, mas principalmente pela sua significação maior. O religioso está convencido de que a chegada dos alienígenas é o advento do Apocalipse bíblico, e passa a ter ruidosos rompantes de fé, que acabam por atrair os marcianos. Por suas ações, temos a impressão de que o padre enlouqueceu perante a situação.

De fato, temos a partir daí uma possível interpretação da obra de Wells. A humanidade salva-se da invasão marciana não por uma intervenção direta por parte de Deus ou de sua Igreja; ao contrário, Wells aparenta ser bastante pessimista quanto às instituições religiosas, como fica claro na passagem acima. A salvação da humanidade se dá pela ação de bactérias presentes em nossa atmosfera, para as quais os marcianos não possuem nenhum tipo de defesa imunológica. No entanto, apesar do materialismo da solução da crise, não se pode dar à história um caráter de ateísmo, visto que as bactérias para Wells os marcianos foram derrotados “depois do fracasso de todos os recursos humanos, pelos mais humildes seres que Deus, em sua sabedoria, havia posto sobre a Terra”.

Outras interpretações da Guerra dos Mundos ressaltam sua ênfase no cientificismo do século XIX, incorporando os conceitos de seleção natural e de darwinismo social; ou seu caráter visionário ao “prever” tecnologias que seriam desenvolvidas ao longo do século XX (guerra química, uso de gases, raio laser); ou ainda uma crítica implícita ao imperialismo britânico que chega como um invasor, devasta outros povos, suga seus recursos (a imagem dos alienígenas que se alimentam de sangue de outras criaturas, inclusive do homem, é bastante significativa) e traz consigo inclusive um impacto ambiental (no livro, a red weed, ou hera vermelha, trazida pelos marcianos, rapidamente se alastra pela vegetação terrestre).



Ainda mais desconhecido que a origem literária do filme, talvez, seja o fato de Spielberg não ter sido o único a trazer a obra de Wells para as telas do cinema. Além das produções independentes mais recentes (e menos divulgadas), a Guerra dos Mundos ganhou sua primeira versão cinematográfica através das lentes do diretor Byron Haskin e do produtor George Pal, em 1953; tendo recebido o Oscar de efeitos especiais daquele ano, e sendo hoje considerado um clássico da ficção científica dos anos 50.

O enredo central da história é bastante semelhante ao do livro, brevemente exposto acima, porém com algumas diferenças. Os marcianos chegam também em cápsulas confundidas por meteoros; porém a trama se desenrola na Califórnia (como bem soe ao cinema norte-americano) e ao invés de um narrador impessoal, ela se centrará na figura do Dr. Clayton Forrester (Gene Barry), cientista anteriormente engajado no Projeto Manhattan, que formará par romântico com Sylvia Van Buren (Ann Robinson), a quem encontra no local de queda do “meteoro”. Ambos irão protagonizar e celebrizar a cena do refúgio na casa em ruínas, cercada por alienígenas que os procuram, primeiro com uma câmera e depois pessoalmente. O papel do religioso, por sua vez, é aqui representado pelo tio de Sylvia, o pastor Matthew Collins (Lewis Martin) que tenta um contato pacífico antes do belicoso, ostentando uma Bíblia, na crença de não ser atacado. Ele, no entanto, é desintegrado pelo raio de calor dos marcianos, a exemplo de todos que antes tentaram uma aproximação.

Há entanto, no filme, uma espécie de “redenção” da religiosidade, visto que Sylvia e Forrester, juntamente com todos aqueles que não conseguiram escapar da cidade grande refugiam-se em uma igreja à espera de um milagre, que vem sob a forma de uma ação natural das bactérias sobre os organismos indefesos dos marcianos.

Existem ainda detalhes estéticos e do desenrolar da história, que diferem do original do livro, e que são interessantes de se pontuar, pois tem influências no trabalho de Spielberg. Em primeiro lugar, a utilidade dos humanos para os invasores que no livro é a de servir como alimento, no filme de Haskin ela inexiste – os terráqueos são apenas um empecilho a colonização marciana do planeta e devem ser exterminados. Em segundo lugar, se no livro a tecnologia bélica do século XIX, ainda que pouco eficaz, é capaz de proporcionar um conflito, uma resistência, no filme as armas utilizadas pelo ser humano contra os invasores são totalmente inúteis (inclusive a bomba atômica!), esbarrando em um campo de força ao redor das naves marcianas. Por fim, a aparência dos extraterrestres e de suas máquinas diferem das descrições de Wells. Os tripods não aparecem no filme de Haskin, sendo substituídos por naves flutuantes de formato triangular, com uma “cabeça” emissora dos raios de calor. Os marcianos (ou o marciano, pois apenas uma vez ele aparece nitidamente – na cena da casa abandonada) aparecem com uma estrutura bípede ereta, quase humanóide, são mais baixos que um homem adulto, e apresentam uma particular (e desconcertante) recorrência do número três: três dedos, três olhos, e chegam em grupos de três naves.



A versão de Spielberg, como vemos, tem suas influências e precursores. Mantendo a seqüência original de chegada – conquista da Terra – queda devido à ação de microorganismos, Spielberg insere na trama, além dos efeitos especiais que tornam o filme mais realista e por isso mais assustador, o drama familiar de Ray Ferrier (Tom Cruise), que tem uma relação distante com seus filhos Rachel (Dakota Fanning) e, principalmente, Robbie (Justin Chatwin).

A chegada dos invasores – que dessa vez não são originários de Marte, mas de outro planeta desconhecido – se dá de forma diferente das versões anteriores: agora eles criam uma tempestade eletromagnética, que desativa todos os serviços eletrônicos (também anulados nas áreas em que caem os meteoros na versão de 1953), e utilizam a partir dela uma espécie de “raio-transportador”, que os leva aos tripods enterrados nas profundezas da terra há milhares de anos, revelando uma premeditação atemorizante. É notório que a violência dos invasores se manifeste com uma rapidez quase imediata, bem mais rápida que nas versões anteriores, e até destoante da filmografia anterior de Spielberg – onde sempre houve uma propensão ao contato interplanetário pacífico, como em Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) e E.T. (1982).

Sem entrar em muitos detalhes acerca do enredo da história, podemos destacar algumas das retomadas de Spielberg: os humanos voltam a ter uma utilidade para os invasores (fertilizar a red weed); o padrão trinomial dos extraterrestres, introduzido pela versão de Haskin e Pal, é expandido (os alienígenas possuem além dos três dedos, três pernas e uma cabeça em formato quase triangular – fazendo com que os tripods pareçam uma versão metálica gigante dos próprios invasores); as armas humanas seguem sem fazer efeito contra a tecnologia extraterrestre; e, por fim, a utilização por Spielberg de cenas clássicas do filme anterior – por exemplo, a cena final do alienígena agonizante que estende a mão para fora do tripod e a cena do abrigo na casa em ruínas, que parece uma junção de influências do livro (a condensação de personagens do livro na figura de Harlan Ogilvy, representado por Tim Robbins) e do filme anterior (proteção de uma “indefesa”, antes o par romântico, agora a filha).

O filme de 2005, assim, deixa claro que não é uma mera refilmagem, uma simples atualização da obra anterior. Spielberg faz questão de imprimir sua marca ao filme, sem, no entanto, desfigurá-lo ou renegar a influência da produção anterior, selando o reconhecimento dessa dívida ao escalar, para os papéis dos ex-sogros de Ferrier, Gene Barry e Ann Robinson, estrelas do Guerra dos Mundos de 1953.

Rafael Belló Klein é graduado em História na UFRGS.

A bela do sábado de tarde



Dakota Fanning
Jovem atriz estadunidense, atuou em mais de 40 filmes







Trailer Guerra dos Mundos

sábado, 9 de junho de 2012

Sábado

Sábado, dia 16/06

Armagedon

Sala Redenção, 15:30



Conheça os Palestrantes





Eduardo Martinelli Leal

Professor Substituto de Sociologia do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSUL-Charqueadas). Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS. Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela UFRGS. Tem experiência em pesquisa nas áreas da Antropologia e da Educação. Atuou como bolsista de iniciação científica (PIBIC-CNPq), estagiário e pesquisador, respectivamente, junto ao Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação, Exclusão e Violência Social- NUPEEEVS, da Faculdade de Educação da UFRGS.

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Rafael Belló Klein

Bacharel em História pela UFRGS, tem se dedicado a História dos EUA, tendo defendido o trabalho de conclusão "Representações do Passado nos Esportes Norte-americanos".

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Bruce Willis, Herói de Carne e Osso



Por Ronald Perrone



Quando um meteoro do tamanho do Texas entra em rota de colisão com a Terra e o fim da existência humana se aproxima, a esperança acaba nas mãos de uma equipe especializada em perfuração petroleira. Sim, a premissa de Armageddon, de Michael Bay, é infame, inverossímil e de muito mau gosto. Mas para o público dos anos noventa, acostumando-se com o alto nível dos efeitos especiais, fica mais fácil relevar os absurdos do roteiro e focar a atenção para o que realmente importa: o espetáculo sensorial alucinante em deflagradoras sequências de ação que não deixavam que o espectador notasse a grande bobagem que, na verdade, estava assistindo.



Afinal, quem em plena consciência poderia comprar a idéia de que uma equipe de perfuradores do ramo do petróleo seria o ideal para uma missão desse porte? A responsabilidade de salvar a raça humana nas mãos de indivíduos comuns?



No entanto, o papel de levar o homem comum para as telas parece ser a tônica de um dos astros principais de Armageddon ao longo da carreira como herói de ação. Ele já encarou toda espécie de mafiosos, terroristas, sequestradores, soldados, até zumbis, alienígenas e robôs; interpretou o super-herói mais humano do cinema (em Corpo Fechado); correu contra o tempo para desarmar bombas espalhadas por uma grande cidade (Duro de Matar: A Vingança); e teve a oportunidade de salvar a humanidade de desastres apocalípticos por, pelo menos, três vezes (Uma delas no citado Armageddon).



Em todas essas situações, Bruce Willis sempre procurou manter a pose do “herói de carne e osso”.



Willis é a representação perfeita do sujeito comum em situações extremas, apresentando fragilidades humanas, demonstrando sinais de exaustão e o corpo passível de danos, feridas que se acumulam e interferem na própria narrativa fílmica. É o contraste dos musculosos e indestrutíveis action heroes que povoavam os anos oitenta no cinema americano, os quais encarnavam a máxima “exército de um homem só”, ou “máquinas de matar”, em filmes de ação desenfreados. Para quem cresceu assistindo Stallone, Schwarzenegger, Van Damme, Chuck Norris e outros brucutus, o contato com Bruce Willis em exemplares como a série Duro de Matar e o Último Boy Scout pode causar um choque. Mas a identificação com o público é quase imediata.



O próprio cinema de ação, naquela época, era bem diferente e reforçava essa ligação com a platéia. Uma maneira de visualizar essa afirmação é analisar as sequências mais movimentadas que envolvem o aumento de tensão e adrenalina, filmadas com a utilização de dublês (ou com os atores metidos a corajosos) enquanto os efeitos especiais se davam durante as filmagens, criando explosões, tiros, perseguições automobilísticas, era a magia do cinema sendo manipulada na presença física dos atores (e não na pós-produção como é feito hoje), tornando o ato de se colocar diante do perigo, levando o próprio corpo ao limite, uma forma de identificação que estimulava o espectador.



Duro de Matar, de John McTiernan, talvez seja o grande marco no cinema de ação americano nesse sentido e o policial John McLane um dos personagens mais revolucionários do gênero, justamente pelos atributos de um ser humano normal quando comparado a um John Matrix (Schwarzenegger em Comando para Matar) ou Rambo (Stallone). Seus músculos não são avantajados, seu corpo e mente vulneráveis, os cortes ao pisar nos vidros com os pés descalços tornam-se um elemento narrativo. Na trama, McLane precisar salvar o prédio tomado por terroristas e ainda tem questões conjugais a resolver. Ficamos mal acostumados vendo Stallone costurando seus próprios ferimentos no meio do mato, ou Schwarzenegger carregando tranquilamente uma tora pesada no braço. Já McLane age como se tivesse saído da vida real e poderia ser qualquer um de nós.



Obviamente, basta assistir ao filme para perceber que, na verdade, não. Não poderia. Vamos ser honestos, ninguém teria colhões de pular do terraço de um arranha céu infestado de terroristas apenas com a mangueira de incêndio amarrado na cintura. É um homem comum, “herói de carne e osso”, mas ainda estamos diante de um filme de ação. Em O Último Boy Scout, por exemplo, o personagem de Willis é corno, bêbado e desprezado pela filha. “O que lhe parece?”, pergunta o delegado ao seu subordinado apontando para o protagonista vivido por Willis, “Parece um sujeito que dormiu com a roupa do corpo”, responde. Mas na hora de trocar tiros cercado de meliantes armados até os dentes, a lógica do cinema de ação em não deixar que o herói morra prevalece em seu favor.



Mas isso é apenas um detalhe que não interfere na busca de Willis em criar personagens cujas características o aproxima do homem comum.



Finalmente, essa representação do herói humanizado também pode ser observada nos filmes em que Willis teve a importante responsabilidade de evitar o fim do mundo. Em O Quinto Elemento, do francês Luc Besson, Willis é um taxista que enfrenta uma estranha forma alienígena que se aproxima da Terra; em Armageddon, de Michael Bay, interpretando um simples perfurador petroleiro, sacrifica sua própria vida para salvar a raça humana de um meteoro.



No entanto, a mais interessante incursão do ator nessa onda de fim do mundo foi em Os 12 Macacos, de Terry Gilliam. Num mundo distópico, Willis é o voluntário para viajar no tempo e impedir que um vírus mortal extermine mais da metade da população do nosso planeta. O filme poderia ser estrelado pelo Van Damme, e sua jornada marcada por muitos chutes na cara de quem entrasse em seu caminho. Mas na pele de Willis, tem-se uma forte noção de realidade e humanismo sobre os ombros do protagonista, por mais fantasiosa que seja a dimensão ficcional narrativa.   



É certo, porém, que em um estudo mais aprofundado do talento para as artes dramáticas, Willis não chegaria perto de um Marlon Brando. Não vamos exigir que interprete “Hamlet”. Mas sempre demonstrou, no mínimo, muita segurança e capacidade dentro de seus limites como ator, especialmente no gênero que o consagrou. Bruce Willis com certeza não foi o primeiro nem o único bad-ass humanizado do cinema de ação americano, mas basta conferir qualquer um de seus trabalhos, observar aquele sujeito calvo (hoje totalmente careca), cansado, ofegante e resmungão trocando tiros com seus adversários para notar que realmente é um dos autênticos representantes do velho clichê “herói de carne osso”.



Ronald Perrone

Crítico de Cinema



A bela do sábado de tarde




Liv Tyler
Atriz estadunidense, filha do vocalista Steven Tyler, atuou em mais de 20 filmes e foi dirigida por cineastas como Oliver Stone e Bernardo Bertolucci