Bruce
Willis, Herói de Carne e Osso
Por Ronald
Perrone
Quando um
meteoro do tamanho do Texas entra em rota de colisão com a Terra e o fim da
existência humana se aproxima, a esperança acaba nas mãos de uma equipe
especializada em perfuração petroleira. Sim, a premissa de Armageddon, de Michael Bay, é infame, inverossímil e de muito mau
gosto. Mas para o público dos anos noventa, acostumando-se com o alto nível dos
efeitos especiais, fica mais fácil relevar os absurdos do roteiro e focar a
atenção para o que realmente importa: o espetáculo sensorial alucinante em
deflagradoras sequências de ação que não deixavam que o espectador notasse a
grande bobagem que, na verdade, estava assistindo.
Afinal, quem em
plena consciência poderia comprar a idéia de que uma equipe de perfuradores do
ramo do petróleo seria o ideal para uma missão desse porte? A responsabilidade
de salvar a raça humana nas mãos de indivíduos comuns?
No entanto, o
papel de levar o homem comum para as telas parece ser a tônica de um dos astros
principais de Armageddon ao longo da
carreira como herói de ação. Ele já encarou toda espécie de mafiosos,
terroristas, sequestradores, soldados, até zumbis, alienígenas e robôs; interpretou
o super-herói mais humano do cinema (em Corpo
Fechado); correu contra o tempo para desarmar bombas espalhadas por uma
grande cidade (Duro de Matar: A Vingança);
e teve a oportunidade de salvar a humanidade de desastres apocalípticos por,
pelo menos, três vezes (Uma delas no citado Armageddon).
Em todas essas
situações, Bruce Willis sempre procurou manter a pose do “herói de carne e
osso”.
Willis é a
representação perfeita do sujeito comum em situações extremas, apresentando
fragilidades humanas, demonstrando sinais de exaustão e o corpo passível de
danos, feridas que se acumulam e interferem na própria narrativa fílmica. É o
contraste dos musculosos e indestrutíveis action
heroes que povoavam os anos oitenta no cinema americano, os quais
encarnavam a máxima “exército de um homem só”, ou “máquinas de matar”, em filmes
de ação desenfreados. Para quem cresceu assistindo Stallone, Schwarzenegger,
Van Damme, Chuck Norris e outros brucutus, o contato com Bruce Willis em
exemplares como a série Duro de Matar
e o Último Boy Scout pode causar um
choque. Mas a identificação com o público é quase imediata.
O próprio cinema
de ação, naquela época, era bem diferente e reforçava essa ligação com a
platéia. Uma maneira de visualizar essa afirmação é analisar as sequências mais
movimentadas que envolvem o aumento de tensão e adrenalina, filmadas com a utilização
de dublês (ou com os atores metidos a corajosos) enquanto os efeitos especiais
se davam durante as filmagens, criando explosões, tiros, perseguições
automobilísticas, era a magia do cinema sendo manipulada na presença física dos
atores (e não na pós-produção como é feito hoje), tornando o ato de se colocar
diante do perigo, levando o próprio corpo ao limite, uma forma de identificação
que estimulava o espectador.
Duro de Matar, de John McTiernan, talvez
seja o grande marco no cinema de ação americano nesse sentido e o policial John
McLane um dos personagens mais revolucionários do gênero, justamente pelos atributos
de um ser humano normal quando comparado a um John Matrix (Schwarzenegger em Comando para Matar) ou Rambo (Stallone).
Seus músculos não são avantajados, seu corpo e mente vulneráveis, os cortes ao
pisar nos vidros com os pés descalços tornam-se um elemento narrativo. Na
trama, McLane precisar salvar o prédio tomado por terroristas e ainda tem
questões conjugais a resolver. Ficamos mal acostumados vendo Stallone
costurando seus próprios ferimentos no meio do mato, ou Schwarzenegger
carregando tranquilamente uma tora pesada no braço. Já McLane age como se
tivesse saído da vida real e poderia ser qualquer um de nós.
Obviamente,
basta assistir ao filme para perceber que, na verdade, não. Não poderia. Vamos
ser honestos, ninguém teria colhões de pular do terraço de um arranha céu infestado
de terroristas apenas com a mangueira de incêndio amarrado na cintura. É um
homem comum, “herói de carne e osso”, mas ainda estamos diante de um filme de
ação. Em O Último Boy Scout, por
exemplo, o personagem de Willis é corno, bêbado e desprezado pela filha. “O que lhe parece?”, pergunta o delegado
ao seu subordinado apontando para o protagonista vivido por Willis, “Parece um sujeito que dormiu com a roupa do
corpo”, responde. Mas na hora de trocar tiros cercado de meliantes armados
até os dentes, a lógica do cinema de ação em não deixar que o herói morra prevalece
em seu favor.
Mas isso é
apenas um detalhe que não interfere na busca de Willis em criar personagens
cujas características o aproxima do homem comum.
Finalmente, essa
representação do herói humanizado também pode ser observada nos filmes em que
Willis teve a importante responsabilidade de evitar o fim do mundo. Em O Quinto Elemento, do francês Luc
Besson, Willis é um taxista que enfrenta uma estranha forma alienígena que se
aproxima da Terra; em Armageddon, de
Michael Bay, interpretando um simples perfurador petroleiro, sacrifica sua
própria vida para salvar a raça humana de um meteoro.
No entanto, a
mais interessante incursão do ator nessa onda de fim do mundo foi em Os 12 Macacos, de Terry Gilliam. Num
mundo distópico, Willis é o voluntário para viajar no tempo e impedir que um
vírus mortal extermine mais da metade da população do nosso planeta. O filme
poderia ser estrelado pelo Van Damme, e sua jornada marcada por muitos chutes
na cara de quem entrasse em seu caminho. Mas na pele de Willis, tem-se uma forte
noção de realidade e humanismo sobre os ombros do protagonista, por mais
fantasiosa que seja a dimensão ficcional narrativa.
É certo, porém,
que em um estudo mais aprofundado do talento para as artes dramáticas, Willis
não chegaria perto de um Marlon Brando. Não vamos exigir que interprete “Hamlet”. Mas sempre demonstrou, no
mínimo, muita segurança e capacidade dentro de seus limites como ator, especialmente
no gênero que o consagrou. Bruce Willis com certeza não foi o primeiro nem o
único bad-ass humanizado do cinema de
ação americano, mas basta conferir qualquer um de seus trabalhos, observar
aquele sujeito calvo (hoje totalmente careca), cansado, ofegante e resmungão
trocando tiros com seus adversários para notar que realmente é um dos autênticos
representantes do velho clichê “herói de carne osso”.
Ronald
Perrone
Crítico
de Cinema
Nenhum comentário:
Postar um comentário