sábado, 9 de junho de 2012


Bruce Willis, Herói de Carne e Osso



Por Ronald Perrone



Quando um meteoro do tamanho do Texas entra em rota de colisão com a Terra e o fim da existência humana se aproxima, a esperança acaba nas mãos de uma equipe especializada em perfuração petroleira. Sim, a premissa de Armageddon, de Michael Bay, é infame, inverossímil e de muito mau gosto. Mas para o público dos anos noventa, acostumando-se com o alto nível dos efeitos especiais, fica mais fácil relevar os absurdos do roteiro e focar a atenção para o que realmente importa: o espetáculo sensorial alucinante em deflagradoras sequências de ação que não deixavam que o espectador notasse a grande bobagem que, na verdade, estava assistindo.



Afinal, quem em plena consciência poderia comprar a idéia de que uma equipe de perfuradores do ramo do petróleo seria o ideal para uma missão desse porte? A responsabilidade de salvar a raça humana nas mãos de indivíduos comuns?



No entanto, o papel de levar o homem comum para as telas parece ser a tônica de um dos astros principais de Armageddon ao longo da carreira como herói de ação. Ele já encarou toda espécie de mafiosos, terroristas, sequestradores, soldados, até zumbis, alienígenas e robôs; interpretou o super-herói mais humano do cinema (em Corpo Fechado); correu contra o tempo para desarmar bombas espalhadas por uma grande cidade (Duro de Matar: A Vingança); e teve a oportunidade de salvar a humanidade de desastres apocalípticos por, pelo menos, três vezes (Uma delas no citado Armageddon).



Em todas essas situações, Bruce Willis sempre procurou manter a pose do “herói de carne e osso”.



Willis é a representação perfeita do sujeito comum em situações extremas, apresentando fragilidades humanas, demonstrando sinais de exaustão e o corpo passível de danos, feridas que se acumulam e interferem na própria narrativa fílmica. É o contraste dos musculosos e indestrutíveis action heroes que povoavam os anos oitenta no cinema americano, os quais encarnavam a máxima “exército de um homem só”, ou “máquinas de matar”, em filmes de ação desenfreados. Para quem cresceu assistindo Stallone, Schwarzenegger, Van Damme, Chuck Norris e outros brucutus, o contato com Bruce Willis em exemplares como a série Duro de Matar e o Último Boy Scout pode causar um choque. Mas a identificação com o público é quase imediata.



O próprio cinema de ação, naquela época, era bem diferente e reforçava essa ligação com a platéia. Uma maneira de visualizar essa afirmação é analisar as sequências mais movimentadas que envolvem o aumento de tensão e adrenalina, filmadas com a utilização de dublês (ou com os atores metidos a corajosos) enquanto os efeitos especiais se davam durante as filmagens, criando explosões, tiros, perseguições automobilísticas, era a magia do cinema sendo manipulada na presença física dos atores (e não na pós-produção como é feito hoje), tornando o ato de se colocar diante do perigo, levando o próprio corpo ao limite, uma forma de identificação que estimulava o espectador.



Duro de Matar, de John McTiernan, talvez seja o grande marco no cinema de ação americano nesse sentido e o policial John McLane um dos personagens mais revolucionários do gênero, justamente pelos atributos de um ser humano normal quando comparado a um John Matrix (Schwarzenegger em Comando para Matar) ou Rambo (Stallone). Seus músculos não são avantajados, seu corpo e mente vulneráveis, os cortes ao pisar nos vidros com os pés descalços tornam-se um elemento narrativo. Na trama, McLane precisar salvar o prédio tomado por terroristas e ainda tem questões conjugais a resolver. Ficamos mal acostumados vendo Stallone costurando seus próprios ferimentos no meio do mato, ou Schwarzenegger carregando tranquilamente uma tora pesada no braço. Já McLane age como se tivesse saído da vida real e poderia ser qualquer um de nós.



Obviamente, basta assistir ao filme para perceber que, na verdade, não. Não poderia. Vamos ser honestos, ninguém teria colhões de pular do terraço de um arranha céu infestado de terroristas apenas com a mangueira de incêndio amarrado na cintura. É um homem comum, “herói de carne e osso”, mas ainda estamos diante de um filme de ação. Em O Último Boy Scout, por exemplo, o personagem de Willis é corno, bêbado e desprezado pela filha. “O que lhe parece?”, pergunta o delegado ao seu subordinado apontando para o protagonista vivido por Willis, “Parece um sujeito que dormiu com a roupa do corpo”, responde. Mas na hora de trocar tiros cercado de meliantes armados até os dentes, a lógica do cinema de ação em não deixar que o herói morra prevalece em seu favor.



Mas isso é apenas um detalhe que não interfere na busca de Willis em criar personagens cujas características o aproxima do homem comum.



Finalmente, essa representação do herói humanizado também pode ser observada nos filmes em que Willis teve a importante responsabilidade de evitar o fim do mundo. Em O Quinto Elemento, do francês Luc Besson, Willis é um taxista que enfrenta uma estranha forma alienígena que se aproxima da Terra; em Armageddon, de Michael Bay, interpretando um simples perfurador petroleiro, sacrifica sua própria vida para salvar a raça humana de um meteoro.



No entanto, a mais interessante incursão do ator nessa onda de fim do mundo foi em Os 12 Macacos, de Terry Gilliam. Num mundo distópico, Willis é o voluntário para viajar no tempo e impedir que um vírus mortal extermine mais da metade da população do nosso planeta. O filme poderia ser estrelado pelo Van Damme, e sua jornada marcada por muitos chutes na cara de quem entrasse em seu caminho. Mas na pele de Willis, tem-se uma forte noção de realidade e humanismo sobre os ombros do protagonista, por mais fantasiosa que seja a dimensão ficcional narrativa.   



É certo, porém, que em um estudo mais aprofundado do talento para as artes dramáticas, Willis não chegaria perto de um Marlon Brando. Não vamos exigir que interprete “Hamlet”. Mas sempre demonstrou, no mínimo, muita segurança e capacidade dentro de seus limites como ator, especialmente no gênero que o consagrou. Bruce Willis com certeza não foi o primeiro nem o único bad-ass humanizado do cinema de ação americano, mas basta conferir qualquer um de seus trabalhos, observar aquele sujeito calvo (hoje totalmente careca), cansado, ofegante e resmungão trocando tiros com seus adversários para notar que realmente é um dos autênticos representantes do velho clichê “herói de carne osso”.



Ronald Perrone

Crítico de Cinema



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